quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Novas do Doc

O filme Le Bâteau en Carton, de José Vieira, fornece-nos pistas muito interessantes sobre uma realidade das pessoas ciganas: a realidade vivida por uma comunidade que se transporta incessantemente nas estacas das suas barracas de pregos, paus e lona, por entre a lama. Entre França e a Roménia. Entre uma França dos subúrbios desolados dos viadutos, entre auto-estradas; e a Roménia de casas feitas, mas perfeitamente separadas dos não ciganos. Dos entrevistados, ressalta a ideia da preferência pela França, onde se consideram, pasme-se, bem tratadas e com uma melhor qualidade de vida. Dá que pensar. Discriminados e rejeitados em todo o lado, sentem-se melhor em França, onde a arte da mendicação sempre lhes vai trazendo algum proveito. A capacidade de resistência, na miséria, é notável, tal como um futuro de não esperança. A arte de estar juntos, porém, compensa em alegria o presente das barracas às costas.
A reter algumas considerações suscitadas pelo filme e pelas perguntas feitas ao realizador no seu final. Primeiro, a memória do genocídio dos tempos da II guerra Mundial, passada oralmente entre gerações: a memória que dá título ao filme: os barcos de papel que eram atulhados de ciganos, no Mar Negro, rumo ao naufrágio. Um genocídio metodicamente planeado. Lembranças da Roménia.
Segundo, o facto de ciganos e não ciganos romenos se misturarem, estando juntos, nas barracas entre auto-estradas dos subúrbios de Paris. Na Roménia, tal seria impossível. As condições de hostilidade em França juntam os grupos.
Terceiro, um dado bem relevante para nós portugueses. Tal como nos relatou o realizador, o seu plano inicial não era o de fazer um filme sobre os ciganos. Tão só o de fazer um filme sobre os bairros de lata dos subúrbios da região parisiense. O mesmo bairro de lata onde o realizador cresceu, na realidade da imigração portuguesa em França dos anos setenta. O bairro de lata agora ocupado por ciganos e romenos. Como advertiu o realizador, na altura as oportunidades de trabalho abundavam, os portugueses mal ou bem acabaram por se integrar na estrutura económica francesa. Hoje, as oportunidades escasseiam. Os ciganos têm dificuldade em arranjar trabalho, pelo menos aqueles que o assim desejam. A mobilidade social dos imigrantes encontra-se congelada. Mas o paralelismo fica. Os tempos são outros. As marcas da diferença também.




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