quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Corpo e significado na emergência das culturas

Como é que nós percepcionamos o mundo, aquilo que se passa em nosso redor? A teoria behavioristo-comportamental afirma a teoria explicativa do arco-reflexo, isto é, a reacção involuntária do nosso corpo aos estímulos exteriores enquanto adaptação de nós próprios ao ambiente que nos envolve. Esta explicação simplista, mas poderosa e fiável para o senso comum, opôs-se durante muito tempo, depois compôs-se com as teorias culturalistas que reforçam o papel da aprendizagem nas formas de lidarmos com o mundo e com as diferentes situações em que estamos envolvidos. De certo modo, torna-se difícil concebermos outras formas de percepcionarmos o mundo sem ser pelas impressões que os estímulos externos produzem a partir dos nossos sentidos. A informação que provém destes chega ao cérebro e é processada neste, sendo depois enviada  por canais nervosos para os restantes órgãos motores do nosso corpo. Depois da percepção, vem a acção. Aquela é passiva por assim dizer, esta é activa. 
E no entanto, recentes controvérsias, baseadas em investigações produzidas nas denominadas ciências cognitivas, têm reactivado um debate que podemos remontar aos idos de 1896, quando John Dewey, filósofo pragmatista norte-americano, escreveu uma virulenta crítica ao behaviorismo nascente na psicologia americana. A partir do seu conceito de experiência, Dewey contesta a ausência de mediações no esquema explicativo behaviorista do arco reflexo. Essas mediações são as nossas capacidades aprendidas, através da nossa experiência activa no mundo, as quais radicam no nosso próprio corpo. Sim, o corpo também aprende, não é o nosso cérebro. E é verdade que ainda estamos longe de reconhecer as capacidades de aprendizagem do corpo. Podemos chamar de sexto sentido a essas percepções que detemos, quando não nos é evidente a sua origem nos outros cinco sentidos que conhecemos: visões que possuímos sem ver, vibrações que possuímos sem tocar, vozes que nos chegam sem ouvir. Neste sentido, a operação de percepção torna-se mais complexa do que poderíamos supor à partida. E é claro que esta aprendizagem do corpo requer uma aprendizagem complementar no domínio socio-cultural, o qual nos fornece os significados dessa experiência que se incrusta no organismo. Sem a mesma, essa experiência do corpo seria vã. Por isso corpo e significado, organismo e cultura associam-se inextricavelmente nas percepções que temos, nos julgamentos que formamos, tal como nas aprendizagens que fazemos.
Assim, como nos podemos reportar a uma pretensa cultura juvenil, a uma cultura cigana, sem termos em conta as capacidades de que os jovens e os ciganos dão a mostrar na apresentação e no modo como se fazem movimentar no mundo? Os movimentos largos e expansivos dos jovens e dos ciganos apresentam indícios fortes de insubmissão e de resistência aos códigos de conduta de discrição das sociedades urbanizadas. Nelas, os mesmos podem ser difíceis de ajustar. Poderá fazer-se seguindo o método de uma  (re)programação do corpo? Isso seria recair uma espécie de behaviorismo. Poderá fazer-se tentando uma alteração das disposições das pessoas? Tal seria recair igualmente numa visão culturalista que dá primazia explicativa aos diferentes temperamentos das pessoas. Não, a nossa aposta recai nas condições de uma experiência renovada destas. Uma experiência decorrente da atribuição de novos significados, mas igualmente de novas capacidades afectas ao organismo. Em suma, em novas formas de explorar e dar sentido ao mundo que nos rodeia, de uma forma eminentemente activa.

Sem comentários:

Enviar um comentário